' Falta tanta coisa na minha janela como uma praia, falta tanta coisa na memória como o rosto dele*, falta tanto tempo no relógio quanto uma semana, sobra tanta falta de paciência que me desespero. Sobram tantas meias-verdades que guardo pra mim mesma*, sobram tantos medos que nem me protejo mais, sobra tanto espaço dentro do abraço, falta tanta coisa pra dizer que nunca consigo..

terça-feira, 17 de setembro de 2013

É tão difícil assim não trair?

Eu lembro até hoje da primeira descoberta dolorosa da minha vida. Era véspera de Natal e eu tinha acabado de completar seis anos de idade. Toda a minha família estava hospedada num hotel-fazenda no interior de São Paulo e eu percebi que há algum tempo minha mãe ensaiava um diálogo só comigo. Na primeira oportunidade, ela me pegou pelo punho e, caminhando, disse em tom sereno: 

– Duda, nós precisamos conversar. 

Intrigada, perguntei o que havia acontecido e ela começou a ensaiar o discurso: 

– Sabe o que é, minha filha? É que o Natal é uma data muito importante e tem algo que você precisa saber sobre o Papai… 
Para evitar maiores constrangimentos, eu, sempre diplomática e simulando maturidade, a interrompi, enfática: 

– Eu sei, mãe. Papai Noel não existe. Não precisa me contar. 

Aliviada por ter se livrado da árdua tarefa de decepcionar uma filha, minha mãe sorriu surpresa e disse que eu poderia voltar a brincar. Eu voltei. Voltei mas não era a mesma. 

Eu não sabia que o Papai Noel não existia. Eu desconfiava mas não sabia com certeza. Saber da minha própria boca foi um baque. Ao mesmo tempo em que aquela informação me tornou a poderosa portadora de um segredo a ser escondido dos mais jovens e inocentes, ela também me fez perceber que eu fui enganada durante seis anos da minha vida, assim, a troco de nada. Me senti impotente. 

Desde então, aquela sensação de impotência se repetiu em algumas decepções do meu crescer. Foi exatamente assim quando eu descobri que as pessoas traem. Não que eu não soubesse antes. Eu já desconfiava. Só não sabia com certeza. Saber foi um baque. Percebi que fui enganada durante muito tempo da minha vida, assim, a troco de nada. Me senti impotente novamente. 

Eu não acredito que a monogamia seja o modelo ideal de relacionamento e nem quero entrar nesse mérito. Só quero dizer que ainda me sinto aquela criança à espera do Papai Noel quando vejo pessoas que firmam pactos de monogamia o descumprindo sem mais nem menos, como se manter-se fiel a quem te ama fosse a mais árdua das tarefas impostas ao ser humano. 

Vejo pessoas justificando traições com os mais esdrúxulos – e muitas vezes machistas – argumentos e fico me perguntando por que existe essa tendência de relativizar a traição a chamando de deslize, vacilo ou escorregão como se o simples pacto de não se relacionar com mais ninguém durante um relacionamento fosse um desafio que carrega mais dificuldades do que passar no vestibular de medicina, terminar um doutorado ou aprender mandarim. 

Resistir às intempéries de um relacionamento não é tarefa fácil, concordo. As pessoas mudam, as chamas se apagam, a convivência desgasta a paixão e só quem tem paciência e disposição para um relacionamento sereno resiste bravamente a todas essas mudanças de temperatura e pressão. Ainda assim, existem muitas opções menos canalhas do que a traição. É possível conversar, se alinhar, se ajustar e pasmem: até terminar.

Mais difícil do que contornar as tempestades que invariavelmente abalam os relacionamentos é ter a frieza de ser canalha com quem te ama. Traição não é vacilo nem escorregão. Traição é uma dura e amarga decepção para quem a sofre. Por isso, deixo aqui minha singela e honesta sugestão: se for para escorregar, escorregue enquanto é tempo. Para fora da relação. 


- Eduarda Costa.

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Depois é sei lá;

Se você ama, diga que ama. Não tem essa de não precisar dizer porque o outro já sabe. Se sabe, maravilha, mas esse é um conhecimento que nunca está concluído. Pede inúmeras e ternas atualizações. Economizar amor é avareza. Coisa de quem funciona na frequência da escassez. De quem tem medo de gastar sentimento e lhe faltar depois. É terrível viver contando moedinhas de afeto. Há amor suficiente. Há amor para todo mundo. Há amor para quem quer se conectar com ele. Não perdemos quando damos: ganhamos junto. Quanto mais a gente faz o amor circular, mas amor a gente tem. Não é lorota. Basta sentir nas interações do dia-a-dia, esse nosso caderno de exercícios. Se você ama, diga que ama. A gente pode sentir que é amado, mas sempre gosta de ouvir e ouvir e ouvir. É música de qualidade. Tão melodiosa, que muitas vezes, mesmo sem conseguir externar, sentimos uma vontade imensa de pedir: diz de novo? Dizer não dói, não arranca pedaço, requer poucas palavras e pode caber no intervalo entre uma inspiração e outra, sem brecha para se encontrar esconderijo na justificativa de falta de tempo. Sim, dizer, em alguns casos, pode exigir entendimentos prévios com o orgulho, com a bobagem do só-digo-se-o-outro-disser, com a coragem de dissolver uma camada e outra dessas defesas que a gente cria ao longo do caminho e quando percebe mais parecem uma muralha. Essas coisas que, no fim das contas, só servem para nos afastar da vida. De nós mesmos. Do amor. Se você ama, diga que ama. Diga o seu conforto por saber que aquela vida e a sua vida se olham amorosamente e têm um lugar de encontro. Diga a sua gratidão. O seu contentamento. A festa que acontece em você toda vez que lembra que o outro existe. E se for muito difícil dizer com palavras, diga de outras maneiras que também possam ser ouvidas. Prepare surpresas. Borde delicadezas no tecido às vezes áspero das horas. Reinaugure gestos de companheirismo. Mas, não deixe para depois. Depois é um tempo sempre duvidoso. Depois é distante daqui. Depois é sei lá. 


- Ana Jácomo.